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REAJUSTE POR SINISTRALIDADE NO PLANO DE SAÚDE COLETIVO

Prado e Uehara > Direito do Consumidor  > REAJUSTE POR SINISTRALIDADE NO PLANO DE SAÚDE COLETIVO

REAJUSTE POR SINISTRALIDADE NO PLANO DE SAÚDE COLETIVO

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O reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo é, hoje, um dos maiores tormentos na vida dos consumidores.

Ele é imposto pelas operadoras/seguradoras para lhes garantir um lucro mínimo e, como se verá, contraria a técnica necessária para a operação de planos e seguros saúde, transformando-os em um jogo ou aposta de cartas marcadas, em que sempre as operadoras/seguradoras sairão vencedoras. Essa técnica, tão ressaltada na defesa das operadoras/seguradoras, é por elas deliberadamente ignorada no plano de saúde coletivo.

Não bastasse a ilegalidade do reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo, o consumidor não é devidamente informado sobre a forma como se chegou ao valor de reajuste. As operadoras se limitam a informar o suposto valor despendido com pagamento de sinistros, o valor total arrecadado e o valor do reajuste.

Essa violação não pode ser perpetrada, sob pena de ruína dos direitos dos consumidores, privando-os desse importante instrumento social.

 

A PROBLEMÁTICA DO REAJUSTE POR SINISTRALIDADE NO PLANO DE SAÚDE COLETIVO

O problema do reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo se tornou relevante com a regulamentação do setor pela Lei nº 9.656/1998, que culminou com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Lei nº 9.961/2000.

Nos termos do artigo 4º, inciso XVII, da Lei nº 9.961/2000, compete à ANS “autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda” (artigo 4º, inciso XVII).

Embora a Lei não faça ressalva quanto aos tipos de planos, a ANS o fez, deixando de controlar o reajuste de preços dos planos de saúde coletivo, pressupondo que, nestes, o contratante, uma pessoa jurídica, teria condições de discutir em condições de igualdade com a operadora/seguradora. Infelizmente, não é o que ocorre na prática, notadamente em relação às pequenas e médias empresas.

Essa diferença de tratamento dado pela ANS praticamente acabou com a comercialização dos planos de saúde individual e familiar. Isso porque as operadoras/seguradoras, visando fugir do controle do reajuste da ANS, centraram seus esforços na comercialização de planos coletivos, voltados principalmente para pequenas e médias empresas, muitas vezes de cunho familiar.

Para tanto, usam o chamariz de que os planos coletivos são mais baratos do que os individuais e familiares. Esse chamariz, todavia, é falacioso como a prática tem demonstrado e evidencia que as operadoras/seguradoras descuidam da técnica e transformam o contrato em um jogo ou aposta, em que sempre e sempre sairão vencedoras.

 

DA TÉCNICA DO SEGURO

Na nossa experiência profissional, sempre ouvimos falar da técnica que fundamenta as operações de planos e seguros saúde. Essa técnica é baseada na lei dos grandes números e nos cálculos de probabilidade.

Para tanto, necessário reunir um grande número de pessoas sujeitas aos mesmos riscos e calcular a probabilidade de que tais riscos ocorram. No caso em questão, seriam as pessoas sujeitas aos riscos de necessitarem de atendimento médico e/ou hospitalar.

Diante desses números, calcula-se a quantia necessária para custear os riscos com probabilidade de ocorrer, acrescentam-se as despesas administrativas, os tributos e o lucro da operadora/seguradora e chega-se ao valor que deverá ser cobrado, no caso dos usuários dos planos de saúde.

Quanto maior o número de pessoas, mais segura será a operação. Por outro lado, quanto menor esse número, menos segura será. Observada a técnica, salvo algum fato imprevisível e de grandes proporções, a operadora/seguradora não sofrerá prejuízo.

Todavia, a previsão de reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo contraria essa técnica e evidencia que as operadoras/seguradoras a utilizam apenas em suas defesas; não a praticam.

 

DA NÃO OBSERVAÇÃO DA TÉCNICA DO SEGURO

A despeito da técnica acima mencionada, tão ressaltada pelas operadoras/seguradoras em suas defesas, o fato é que elas, notadamente no reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo, dela se afastam.

Com efeito, em linhas gerais, os planos de saúde coletivo têm vigência de um ano e, além do reajuste anual decorrente da inflação dos custos médicos, estabelecem, também, a possibilidade de reajuste por sinistralidade.

Por meio desse reajuste por sinistralidade, ao final de um ano, calcula-se o valor total arrecadado pela operadora/seguradora e o valor total despendido com sinistros, ambos no contrato específico e naquele período de vigência. Em regra, se o valor total despendido com sinistros superar 70% do valor arrecadado, aplica-se o reajuste por sinistralidade na vigência seguinte, de forma que essa proporção se restabeleça.

Esse reajuste, aplicado no contrato específico, contraria frontalmente a sua técnica, baseada na lei dos grandes números, transformando-o em um jogo ou aposta em que a operadora/seguradora sempre ganhará.

Importante salientar que a maioria desses planos coletivos é contratada por pequenas e médias empresas, muitas vezes familiares, que possuem poucos usuários. Se pensarmos em um plano com menos de dez usuários, o que é muito comum, a necessidade de um atendimento um pouco mais complexo, como uma internação, desequilibrará a proporção entre valores arrecadados e despendidos, acionando o reajuste por sinistralidade.

O universo considerado pelas operadoras/seguradoras, de um único contrato coletivo, portanto, é insuficiente e atenta contra a técnica do seguro, baseada na lei dos grandes números.

A ANS, constatando a reiteração desses reajustes, na maioria das vezes de grande monta, editou regulamentação determinando que os planos coletivos com até 30 usuários de uma mesma operadora/seguradora sejam considerados como um grupo só, para fim de cálculo desse reajuste.

Embora a ANS pareça ter constatado o desvio da técnica do seguro, a regulamentação editada é absolutamente ineficiente, eis que o agrupamento desses planos não implicará na reunião de um número suficiente de usuários para aplicação da lei dos grandes números. Além disso, não há diferença entre um contrato coletivo com 30 usuários e com 31 ou 100 ou mais, embora seja feita a diferença na regulamentação.

 

DA ILEGALIDADE DO REAJUSTE POR SINISTRALIDADE NO PLANO DE SAÚDE COLETIVO

O reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo, a nosso ver, é ilegal, notadamente na forma como aplicado pelas operadoras/seguradoras.

O primeiro aspecto da ilegalidade diz respeito ao distanciamento, como vimos, da técnica do seguro. Importante lembrar que a lei exige, para a operação de planos de saúde, a constituição de pessoa jurídica específica, cujas atividades são fiscalizadas pelo órgão regulamentador do setor, a ANS. Tal se dá em razão da relevância social do contrato e, sobretudo, dos conhecimentos técnicos necessários para sua operação.

Ao se afastar da técnica, as operadoras/seguradoras, com o objetivo de se resguardarem de eventuais prejuízos justamente decorrentes dessa inobservância deliberada da técnica, criaram o reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo.

Esse reajuste lhes permite, em um primeiro momento, atrair o consumidor com a promessa de um preço atrativo. Não por outro motivo vemos, em praticamente todas as ofertas de plano de saúde coletivo, o chamariz de que seu preço é menor do que o dos planos individuais e familiares.

E o preço, ao menos inicialmente, é mais baixo. Mas continuará mais baixo apenas e tão somente se os usuários daquela minúscula coletividade (insignificante para a efetividade da lei dos grandes números) agrupada no contrato não necessitarem usar o plano. Qualquer atendimento mais complexo – e consequentemente mais custoso – desequilibrará a relação valores recebidos/despendidos pela operadora/seguradora, acionando a cláusula de reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo.

Em outras palavras, sempre e sempre o valor despendido pela operadora/seguradora de plano de saúde corresponderá a, no máximo, 70% do valor arrecadado. Portanto, no mínimo 30% do valor arrecadado será destinado ao custeio das despesas administrativas e dos impostos e ao lucro. Garante-se, assim, um lucro mínimo; uma operação sem risco, eis que este, na realidade, é imposto totalmente aos usuários do plano.

Dissemos sempre e sempre porque, em regra, os contratos estabelecem cláusula prevendo que, se não houver renovação, o reajuste por sinistralidade que incidiria na vigência seguinte será devido ao final dessa última vigência de contrato que não será renovado.

Evidencia-se, assim, a falácia do discurso das operadoras/seguradoras de que se trata de um reajuste visando o reequilíbrio do contrato, cujo objetivo seria, acima de tudo, preservar a mutualidade. O interesse da mutualidade, já vimos, foi ignorado desde a formatação do contrato, que desobedeceu a princípios técnicos básicos.

Além disso, fosse uma questão de reequilíbrio do contrato, porque não analisar a relação entre valores recebidos e despendidos durante todos os períodos de sua vigência? É muito comum um contrato dar lucro para a operadora/seguradora durante anos e, em uma determinada vigência, em razão de doença ou acidente de um dos usuários, dar um “prejuízo” pontual, que terá consequências nas vigências futuras. “Prejuízo”, entre aspas, porque, como vimos, a análise não deve ser pontual, de um contrato específico, mas abrangendo todos os usuários.

Vale ressaltar que se, em uma determinada vigência, a proporção entre valor recebido e despendido pela seguradora for inferior a 70%, não haverá redução do valor devido pelo usuário na vigência seguinte. Por isso dissemos que há garantia de um lucro mínimo para a operadora/seguradora. O “reequilíbrio”, portanto, é apenas em benefício da operadora/seguradora.

Por essas razões entendemos que o reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo é ilegal. Ele implica em prática abusiva da operadora/seguradora, que oferece produto com preço fixado sem a observância da técnica, prevendo a possibilidade de reajuste futuro para garantir seu lucro.

A previsão de reequilíbrio apenas em benefício da operadora/seguradora e desconsiderando toda a vigência do contrato, implica em imposição de desvantagem exagerada aos usuários do plano.

Nesse sentido, os preços praticados pelas operadoras/seguradoras, dissociados da técnica securitária, são formados com base nos valores praticados pela concorrência e de forma a superá-la.

Esse contrato, nessas condições, não é contrato de seguro; mais se assemelha a um contrato de gestão, pelo qual a seguradora receberia antecipadamente determinado valor e, ao final do período, apura-se os gastos e os cobra da contratante, mediante o pagamento de um percentual mínimo de 30% pela gestão.

 

CONCLUSÃO

As operadoras/seguradoras de planos de saúde, em defesa de seus interesses, sempre ressaltam a necessidade de observância da técnica dos contratos que comercializam. Ressaltam, inclusive, que essa observância se dá, sobretudo, em proteção aos próprios usuários dos planos.

Não é, todavia, o que observamos na questão do reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo, no qual a técnica é deixada completamente de lado, em prejuízo dos usuários do plano de saúde e em proveito único e exclusivo das operadoras/seguradoras.

Estas oferecem preços muitas vezes inferiores ao que deveria ser cobrado, com o objetivo de atrair o consumidor, mas sabendo que, se necessário, poderá acionar a cláusula de reajuste por sinistralidade para garantir o lucro do contrato.

Contam, ainda, com o fato de que, usualmente, a cláusula de reajuste por sinistralidade é acionada quando algum usuário tem um problema de saúde mais complexo, o que dificulta a migração para outro plano.

Em defesa do reajuste, alardeiam sua necessidade sob a ameaça de ruína do sistema e necessidade de sujeição dos usuários ao serviço público de saúde, como se isso justificasse toda e qualquer conduta sua, mesmo as ilegais, tornando-as imutáveis.

Nesse contexto, então, deveriam os segurados, quando precisassem de atendimento medico/hospitalar, se socorrem do SUS, a fim de, não utilizando o plano de saúde, permitirem lucros mais vultosos às operadora/seguradoras e, em tese, fazerem “poupança”.

O sucesso ou insucesso das companhias privadas de seguros e planos de saúde deve residir em sua conduta e sua habilidade de gerar renda e administrá-la, e não em ameaças aos seus clientes.

É preciso que tanto a ANS, órgão regulamentador do setor, como o Poder Judiciário, e até o Ministério Público, atentem para a questão do reajuste por sinistralidade no plano de saúde coletivo, que vem tomando vulto, em razão da praticamente inexistência de planos individuais e familiares.